22 novembro 2006

MINHA RECEITA


MINHA RECEITA
Vera Vilela

Será que você entende
Minha falta de letras
Meu jeito matuto
Meus gestos bruscos
Minha cara rubicunda
Minha voz de menina?

Será que você perdoa
As rimas brancas
As trovas tortas
Os sonetos mancos
As idéias confusas
As prosas esdrúxulas?

Será que você agüenta
Centenas de beijos
Abraços exagerados
Declarações infantis
Cochichos na orelha
Olhares apaixonados?

Cabeça atordoada
Coração disparado
Vida embaralhada
Futuro incerto
Mistura tudo
Acrescenta loucura
E leva pra casa!

22/11/2006 09:52h

04 abril 2006


A Saga de Catende

Capítulo Três - Cotidiano Agreste



O Oratório foi trocado por um quarto normal, dividido com as primas, não mais com santos enormes de olhos de vidro.

Construído sobre um barranco, o casarão de Catende tinha muitos aposentos nos seus altos e baixos, formado por duas partes unidas em uma escadaria. Na de cima ficavam os ateliês, onde as mulheres costuravam para a família e o sustento, com grandes máquinas de bordar em cairel.

Havia também uma enorme cozinha desativada e os chamados quartos dos mortos, trancados, com suas camas, colchões e fantasmas, onde ninguém podia entrar, visitados apenas pelo pó.

Mas o coração palpitante de tudo era a parte de baixo, ao redor do quarto de Dindinha dando para o enorme banheiro verde, com entrada também para a varanda. Nele, um imenso chuveiro de latão, verdadeira ducha caindo sobre um quadrado de tijolos, formava espécie de piscina tosca que as crianças adoravam. Os banhos eram sempre frios. No sertão de Catende fazia calor e o aquecimento se tornava luxo para doentes. Neste quarto de banhos havia uma privada normal, mas o banheiro auxiliar, ao lado da casa de cima, tinha apenas um buraco no chão, cercado por um estrado de madeira.

A menina Helena, acostumada com os confortáveris banheiros da Gávea, na Zona Sul do Rio, tinha pavor de usar este buraco, apontando para um poço interminável. Sorte que no casarão, como em todo interior nordestino, havia um urinol embaixo de todas as camas, usado nas necessidades noturnas e emergências. E também lindas escarradeiras de louça pintada.

Uma vez por semana, o avô Cordeiro, única pessoa a manifestar afeição pela neta, dava a ela dois tostões para comprar coisas na feira. Estas simples moedas eram seu maior tesouro, manifestação de sua individualidade, a possibilidade de algo verdadeiramente seu, não apenas herdado ou adquirido em lote para os agregados da família.

Na feira semanal, alem de alimentos, havia jóias rústicas de couro, artesanais, enfeites múltiplos e água de cheiro em grandes garrafas de vidro, que eram sua paixão. Com estes pequenos mimos sentia-se única, apesar dos vestidos simples, que foram substituindo as lindas roupas trazidas de casa, e das feias alpercatas pretas, iguais para todos. Por causa delas levara uma das reprimendas assustadoras de Dindinha ao acalcanhar a parte de trás que machucava o pé: “Na minha casa não entra mulher de chinelo!”

Nunca soube a razão da ojeriza da avó por eles. Talvez lembrasse um hábito das que viviam na rua proibida, onde ninguém da casa podia passear, personagens da escuridão e segredo das alcovas e dos cochichos infantis.
Talvez significasse para aquela sertaneja forte, um símbolo de preguiça e acomodação, o arrastar ritmado de pés pela casa. Dindinha detestava fraqueza.

A água de cheiro era usada nas poucas festas e as idas ao cinema – uma sala no centro da cidade com apenas a tela e o piano. Na cidade grande já havia cinema falado, mas no interior, ele era mudo, mudissimo, as cenas acompanhadas por um instrumentista que mal sabia batucar as teclas. Foi ele que protagonizou uma das histórias mais curiosas de suas lembranças infantis.

Era sexta-feira da Paixão e, no religioso interior nordestino, o filme tinha que ser sobre a vida de Cristo.

Todos levaram suas cadeiras e se acomodaram para assistir compungidos e excitados, às cenas piedosas. Estavam neste clima de emoção diante dos sofrimentos de Jesus quando, ao chegar à parte mais importante e dolorosa do filme, a cena em que o Cristo era colocado na cruz, o pianista, já sem repertório e confuso sobre o que tocar para combinar, atacou da carnavalesca:.

...o tatu subiu no pau, é mentira de ocê...

Foi um susto e depois gargalhada geral. Mas o pobre continuou contratado.


Não devia ser fácil arrumar outro naquele distante sertão.

26 março 2006


A Saga de Catende

Capitulo Dois – O começo e o fim do mundo


Para a menina criada na cidade, com obrigações, horários e pais cuidadosos, Catende foi a liberdade e o anonimato. Lá não era mais a Helena Augusta, tremendo só de ouvir o nome da alemã Madre Pelaguia ( pelava águias? O que não faria com as crianças? ) e que precisava tomar banho de camisola porque a visão do corpo nu era pecaminosa. Verbotten.

Em Catende as crianças iam juntas ao açude e não havia vigias de comportamento, exceto para as regras impostas por Dindinha aos moradores da casa. Uma delas era o ofício diário de alguma obrigação no serviço caseiro “ trabalho de criança é pouco, mas quem não aproveita é louco” dizia ela com, sua filosofia de interiorana criada na dureza.

De resto, era o se perder no anonimato, como mais um dos inúmeros netos, sobrinhos e afilhados que orbitavam o casarão. Ninguém vinha conferir, na enorme mesa de madeira das refeições, se comera o tanto para sobreviver, ou se engordara mais do que seria agradável ao olhar da mãe elegante. Era livre para bordejar pelos arredores da Usina e da cidade, sem peias ou cuidados.

Quando, finalmente, após restaurar a fortuna perdida, vieram busca-la, não conhecia mais aqueles dois estranhos bem-vestidos e carinhosos que tinham sido um dia seu pai e sua mãe.

Mas durante este tempo, aprendeu muito: sobre solidariedade sertaneja, dureza de caráter, trabalho constante, fartura e miséria, seca e chuvas abençoadas, a importância da água, ciúmes, fofocas e tudo que faz o caldeirão da vida no interior nordestino.

Tremeu com medo de Lampião que duas vezes avisou de sua passagem pela cidade – significando o terror, o saque, autoridades acovardadas e histórias apavorantes sobre estupros e maldades inconcebíveis. Por sorte, o cangaceiro desviou seu caminho para outras paragens e dele conheceu apenas as lendas.

Mas viu algo que jamais iria esquecer.

Semanalmente, Dindinha preparava alimentos para distribuir aos muitos pobres da região. Tudo era arrumado na mesa grande da sala e um dos moradores era designado para a tarefa de intermediário entre a caridade dela e os famintos. Eles faziam fila diante da porta, barrigudos, rodeados de filhos, alguns ainda dentro da barriga e, um por um, subiam a escada até a varanda, onde recebiam sua cota de laranjas, bananas, pão, etc.

Não era cargo disputado porque tarefa cansativa e tediosa ficar na porta da sala, distribuindo os alimentos. Mas havia dias em que se tornava ainda mais desagradável e até apavorante.

Estes novos desvalidos eram de uma classe assustadora e alimentá-los significava manter portas e janelas trancadas enquanto o encarregado da distribuição se limitava a colocar os alimentos fora do portão para que fossem apanhados.

Os temidos leprosos, ou morféticos, como eram ainda chamados em Catende.

No dia marcado, enquanto o povo se enclausurava, eles vinham pela estrada cobertos de andrajos, batendo a matraca para avisar da sua chegada, sabedores do nojo e horror que despertavam na população. Batiam um pau no outro – tlec ,tlec, tlec enquanto percorriam a cidade deserta recolhendo as doações.

Escondida, espiando pelas frestas, ela viu a imagem que lembrava os livros de catecismo do colégio. O grupo de infelizes doentes e miseráveis desfilando seu bloco infernal pela cidade sitiada pelo medo, ao som surdo dos seus tlecs, tlecs, tlecs anunciadores de que a vida não é bonita.

Mas Catende seria sempre isto – aprendizagem sobre o Bem e o Mal. Lição de contrastes.

13 março 2006

Saga do Catende - introdução

A Saga de Catende por Maria Helena Bandeira

Levados pelas mãos de Maria Helena Bandeira, chegaremos à Catende, no sertão pernambucano, juntos com Helena Augusta, uma menina de nove anos, criada em colégio de freiras no Rio de Janeiro.Lá conheceremos Dindinha, a terrível Don’Ana, mulher forte de coração generoso, que se tornará a verdadeira alma desta saga deliciosa, recheada de descobertas e experimentos que durante quase três anos assustaram e maravilharam nossa pequena heroína.

Ly Sabas

12 março 2006




A Saga de Catende

Capitulo Um - Novo mundo


Acostumada a ser mimada pelos pais na cidade grande do Rio de Janeiro, a menina de nove anos ainda incompletos, chegou assustada a Catende, no interior pernambucano, levada pelo avô, Seu Cordeiro, um homem alto e amável, de olhos verdes.

A casa do gerente da Usina era grande e ladeada por um jardim. Nela se abrigavam, fugidos das tempestades econômicas da vida, várias filhas com seus maridos e netos, além de tias solteironas e agregados. O lugar ideal para a garotinha cujo pai tivera que fugir dos credores, indo para São Paulo e emprestando os filhos numa diáspora cruel. Seu nome era murmurado em críticas veladas, mas não o suficiente para que não percebesse o veneno.

Pior foi conhecer a temível Don’Ana, que nunca aceitou ser chamada de avó. Para todos foi sempre Dindinha, mesmo quando nenhum batizado autorizasse este tratamento. Era uma mulher baixa mas forte, de olhos puxados e estreitos, muito azuis, com uma inteligência penetrante. As maçãs salientes, denunciando a ascendência holandesa, e a boca firme completavam o retrato desta mulher que governava a família e a casa com mão de ferro.

Dindinha não desperdiçava beijos nem afagos, era seca e cortante. Mas seu coração generoso permitiu que sempre houvesse mais um comendo e vivendo às expensas do marido. Brilhante, embora sem estudo, criou um método matemático para ganhar no jogo do bicho e não perdia nunca. Fazia também cruzamento de flores - cravos e cravinas - no jardim que era sua paixão. Usando salitre do Chile e métodos diversos, conseguia espécies diferentes, de pétalas lisas ou ásperas, de vários formatos .

Na falta de acomodações disponíveis, a menina foi designada para o quarto das rezas, onde ficava o oratório, lugar sempre presente nas casas nordestinas do interior. Ainda assustada, sem entender bem o que lhe acontecia, colocou numa cadeira a pequena mala com tudo que ainda tinha de seu no mundo e se preparou para descansar da desgastante jornada de trem pelo interior castigado e quente.

Uma cama de vento fora arrumada de improviso naquele lugar de oração e apesar dos seus desgostos e da estranheza do aposento, a infância venceu o medo e ela dormiu.

Acordou assustada com um apito estridente – era o anúncio da escuridão. Logo depois, a luz do gerador que iluminava a cidade foi cortada e um cheiro acre e desagradável veio da direção da Usina - nunca identificou porque, mas aquele cheiro desagradável foi o acompanhamento constante do apito e do corte da luz por todo tempo em que permaneceu na casa dos avós. Mais de dois anos.

E o pior veio depois. Apavorada com o súbito negrume, ergueu os olhos para o alto – a única coisa brilhante eram as pupilas de vidro dos enormes santos que olhavam todos para ela com malévola fixidez.

Passou o resto da noite acordada, vigiando seus companheiros de quarto. De manhã, mal os primeiro galos cantaram a alvorada, ouviu barulho no jardim. Levantou-se curiosa e caminhou em direção a ele. Ficou atônita com o que viu, mais apavorada do que nunca.

A menina criada no melhor colégio do Rio, de freiras alemãs e moralistas, viu a avó, a imponente Don’Ana, arrebanhar a saia rodada de sua bata comprida e, de pernas abertas, urinar, regando os canteiros de seu jardim predileto : chuaaaaaaa!!!!!!

Foi uma das primeiras e mais marcantes imagens de sua longa estadia no Paraíso e no Inferno particular em que se tornaria aquele casarão no distante sertão de Catende.

06 março 2006

NÍVER DA LEILOCA

É hoje...é pic.. é pic!
Ratimbum!!!!
Leilox Leilox Leilox!

Parabéns!


Um bolo especial...hihihihihihi

Tem um recadinho pra você lá no meu
bloquinho

Beijão
Verox

BOM DIA DO JOTA - 06/03/2006

Bom dia gente... com gente dentro!

Quando voltava, pela madrugada, o mesmo cenário de silêncio permanecia pela casa, como se não tivesse havido vida para aquelas pessoas.
Os problemas acumulavam-se à medida cresciam os papéis no cimo da secretária, e os olhos mortiços de constantes insónias não lhe permitiam o discernimento que a sua actividade exigia.
Já não conseguia falar. Só gritava. O seu pensamento recuava, frequentemente, aos anos da juventude, quando ainda estava a concluir a sua licenciatura numa universidade estrangeira, para onde os seus pais quiseram que ele fosse, prática comum nas famílias da época com mais poder económico. Lembrava-se desses anos e as lágrimas corriam precipitadas na sua face, tal a nostalgia que as memórias lhe causavam. Tinham sido os melhores anos da sua vida, sem a cegueira do dinheiro que há mais de vinte anos o destruíam como ser humano. Não suportava mais aquela situação e tomou de imediato uma decisão.
Tudo aconteceu num dia frio de Outono, em que as folhas das árvores cobriam com a sua cor castanha a estrada. E lá ao fundo, numa ravina, apareceu um corpo desfeito e um papel dobrado dentro do bolso de um casaco que ficara sobre uma rocha. Nele estava escrito: Tal como este papel a vida tem duas partes.

Tenham um excelente dia!
Façam o favor de ser felizes!
Beijos e abraços ao colectivo do
Jota

BOM DIA DO JOTA - 03/03/2006

Gosto de ser gostado.
Como gosto de gostar...
Na mesma intensidade, ritmo, cadência, ardência, prudência, frequência, querência, paciência.
Gosto de ser gostado, porque, como todos os seres da raça animal, gosto de carinho e estímulo.
De agrados e abraços. De olhares e gestos ímpares...
Gosto de ser gostado, porque gostar é sentimento nobre, frátrio, grato, sensato, legal, social, espiritual.
Íntimo ritual, de afagos na mente!...
Amor intelectual é comummente chamado, por falta de dialéctica real...
Mas soa bem aos ouvidos!...

Tenham um excelente dia!
Façam o favor de ser felizes!
Beijos e abraços ao colectivo do
Jota Vilela

02 fevereiro 2006

BRILHO NO OLHAR



Quero esse brilho no olhar
Esse sorriso em meu rosto
todas as horas, todos os dias
Hoje estou feliz
Meu coração disparou
Ficou zonzo
Se alegrou e pulou
Estou fazendo um favor
O favor de ser feliz!

Vera Vilela

31 janeiro 2006

BEIJA BEIJA-FLOR

(foto tirada por Géber Accioly na janela de seu apartamento)


BEIJA BEIJA-FLOR

O beija-flor chega ligeiro, dá uma volta no ar
Logo domina seu espaço, bate velozmente suas asas
Fazendo zumzum e até o gavião chega a espantar

De ninguém e nada tem medo, da vida só quer o mais doce
Vive a colher o seu néctar, nas casas, de presente
Sugando flores distribuindo cores, como se rei fosse

Aos nossos olhos se apresenta, como uma bela criatura
Nos dando beleza, fazendo malabarismos e sons mas,
Aos inimigos age, sempre com muita bravura
***
Vera Vilela

21 janeiro 2006

Do meu tio-avô - presente para o Tom Mix

(pintura - Leonor Fini )



PIERRETTE

O relento hiperestesia
O ritmo tardo de meu sangue.
Sinto correr-me a espinha langue
Um calefrio de histeria...

Gemem ondinas nos repuxos
Das fontes.
Faunos aparecem.
E salamandras desfalecem
Nas sarças, nos braços dos bruxos.

Corro à floresta: entre miríades
De vagalumes, junto aos troncos,
Gênios caprípedes e broncos
Estupram virgens hamadríades.

Ergo olhos súplices: e vejo,
Ante as minhas pupilas tontas,
No sete-estrelo as sete pontas
De sete espadas de desejo.

O sexo obsidente alucina
A minha índole surpresa:
As imagens da natureza
São um delírio de morfina.

A minha carne complicada
Espreita, em voluptuoso ardil,
Alguém que tenha a alma sutil,
Decadente, degenerada!

E a lua verte como uma âmbula
O filtro erótico que assombra...
Vem, meu Pierrot, ó minha sombra
Cocainômana e noctâmbula!...

( Manuel Bandeira em Carnaval 1919 )

PARABÉNS AO TOM!


Muitas felicidades, muito amor, paz e harmonia
e se der, muito dinheiro também!
Um aniversário maravilhoso pra você meu amigo!

18 janeiro 2006

Jura



Jura que mentirás com tal doçura
E que me enganarás com tal ternura
Jura que me dirás todas as juras
E que me iludirás com igual candura
Jura que falarás de um tal futuro
Jura que enganarás com tal loucura
Jura que me farás sólido muro
Com, o qual eu fingirei estar segura
E que me enganarás tão sem censura
Que eu acreditarei na tua jura
Mesmo a sabendo falsa e mentirosa
Mesmo a sentindo jura perigosa
E que tudo que dizes com carinho
É falsa flor, é verdadeiro espinho
Jura que enganarás meu coração
Com a serpente improvável da emoção
Com a faca acutilada da paixão.
Ah jura que a mentira será louca
Jura que o fingimento será tanto
Que eu acreditarei no teu encanto
E farei deste engano meu segredo
E desta falsidade meu espanto
Nada terá sentido eu sei, no entanto
Eu mesmo assim te fingirei verdades
Eu me consolarei na falsidade
E te amarei pra sempre, por enquanto

12 janeiro 2006

EU PROÍBO

Mariazinha Cremasco

Os toques de telefone avisando a hora de ir ao jardim observar a lua e as estrelas, que só eu posso entender.

Os delicados sopros no rosto, que simbolizam os beijos que não podemos trocar.

Os olhares que me lanças quando rodeados por pessoas comuns.

Teus olhos fixos nos meus seios e colo, para elogiá-los nas raras e rápidas vezes em que nos encontramos a sós.

Que me digas para caminhar no parque, olhar os pássaros, o vôo das borboletas, as flores e os tons de verde das folhas, enquanto penso em ti.

Que me aconselhes a ter tranqüilidade e serenidade, justamente quando tu mesmo me tiras tudo isso.

Que me peças para não chorar.

Que leias o que escrevo. Que insinues para que escreva sobre ti. Que me perguntes qual é o mote.

Que me contes o filme assistido e me perguntes que filmes eu vi.

Que me digas como foi teu final de semana e me indagues sobre o meu.

Que te preocupes comigo (não creio nessa tua preocupação).

Que mintas dizendo que terça nos veremos, passaremos vinte e quatro horas juntos. Porque na terça não me ligarás (lembra-te da raposa do Pequeno Príncipe?).

Que tentes me fazer feliz.

Eu proíbo ainda que faças as costumeiras ligações pela manhã, que me alegram o dia.

A alegria é falsa e dura pouco. Permanece até eu perceber que jamais virás inteiro para mim.

Que não estás pronto e talvez nunca fiques.

Eu te proíbo de me telefonar. E eu me proíbo de te amar.

11 janeiro 2006

TODA NOITE


Toda noite

Me penduro de cabeça pra baixo
Tentando em vão descobrir
Os segredos deste mundo louco
*
Vera Vilela

08 janeiro 2006

A ODISSÉIA DE UM ERMITÃO - CAP III

DOM QUIXOTE DA PERIFERIA - capítulo 3
(por Ly Sabas)

— Dona Rosilu?! Ô de casa!

Beto que já havia jogado a lanterna longe com a mão direita e com a esquerda apertava as ancas da morena, pulou da cama assustado com a voz masculina. Rosicreide, toda descomposta, tratou de responder ao chamado enquanto alisava as roupas e os cabelos.

— O que aconteceu, seo Toninho? Espere um pouco, já vou.

Rosicreide lançando um olhar dengoso para Beto foi saindo com seu andar gingado. Beto sem saber quem era o tal de seo Toninho e com receio de sair do quarto, ficou observando pela fresta da janela a morena flutuar pelo quintal num “aqui tá raso aqui tá fundo” capaz de fazer qualquer santo perder a auréola.

O dono da voz era um cara barbudo, meio gordinho, com cara de quem ajuda esposas incautas à costurar para fora. De onde estava Beto não conseguia ouvir nada, mas pelos olhares e trejeitos dos corpos pensou:

— Aí tem coisa. – e agora mais animado – se costura com esse... Péra aí, o barbudo tá entrando. Pô assim não pode, assim não dá!

Quando atravessaram a lavanderia ouviu a voz melosa de Rosilu ao mesmo tempo em que notava o olhar dela em sua direção enviando uma mensagem de fique quieto aí.

— Sobraram uns torresmos do almoço. Venha tomar uma cerveja enquanto espera.

Ora, desde quando um legítimo Urtigão da Silva deixa passivamente um intruso invadir sua área? Assim que desapareceram na cozinha, Beto saiu do quarto e andou até o basculante com passinhos de caçador à espreita. Apesar de não ser baixinho teve que subir em um caixote para alcançar o vitrô. Seu campo de visão era pequeno, prejudicado pela geladeira com seu pingüim gorducho, mas lá estavam os dois em posturas pra lá de suspeitas.

— Olha Toninho, você sabe que não pode vir aqui a essa hora. Que vale que o Zé saiu logo depois do almoço.

Enquanto falava Rosilu abria uma latinha de cerveja e servia o copo.

— Sei Rosi, mas aconteceu o que já temíamos. – e dando inflexão - Ela disse que não vai mais esperar.

— Ela não pode fazer isso! - disse arriando em uma cadeira. – E nós, o que faremos agora?

— Já dei tratos à bola, mas não consigo pensar em nada.

— Logo você, o dono de mil idéias? Precisamos ganhar tempo.

O tom malicioso de Rosicreide desapareceu dando lugar a uma inquietação que deixou Beto, cavalheiro do tipo que ainda manda flores - se isso fosse possível na lonjura aonde se escondia - doidinho para ajudar.

Já se imaginava dizendo:

— Não se preocupe com nada, minha bela morena. Eu a defenderei de qualquer safado que ousar aproximar-se. Vou escondê-la em minha propriedade rural à beira de um regato e de um bosque em flor. Possuo um bacamarte carregado de balas de sal e quilos de barriga de porco. De dia eu fico de botuca e de noite mergulhamos em um mar de torresmos e luxúria!

Em seu delírio quixotesco perdeu algumas falas, que por sinal agora eram sussurradas, e quando se deu conta o tal barbudo dizia:

— Onde ele está?

— Lá no quartinho dos fundos.

— Vamos falar com ele. Quem sabe topa.

Já despido de sua armadura de cavalheiro da periferia, Beto pulou do caixote e, dando meia volta, ensaiou sair correndo pelo quintal em direção não sabia de onde, quando viu que uma caminhonete vinha se arrastando em direção à casa.

06 janeiro 2006

A ODISSÉIA DE UM ERMITÃO - CAP II

BETO E ZÉ DA BORRACHA
(por Vera Vilela)

Beto sentiu um tremor percorrer seu corpo quando aquela senhora boazuda olhou profundamente em seus olhos e disse, num tom choroso:
- Sinto muito meu senhor, a culpa é toda minha. Eu senti algo se enroscando em mim e achei que era o senhor pegando minha carteira. Que vergonha! O que posso fazer para ajudá-lo?
- Se fosse uns 35 anos atrás você poderia ter se enforcado com o cordão umbilical, agora é tarde demais. Quem sabe você poderia desfilar pelada no meio da torcida do Corinthians em dia de clássico?
- Estou falando sério. Como posso ajudá-lo? Meu marido está vindo me buscar, podemos levá-lo até sua casa. O que acha?
Ele coçou a cabeça, fechou um dos olhos, analisou a moça. Só agora pôde perceber a gata que estava ali a sua frente. “A mina era mesmo uma brasa”. Um corpo bem feito, através da claridade vinda da porta de entrada era possível analisar bem suas grossas e bem torneadas coxas; um quadril de mais de metro em contraste com a cinturinha de pilão; seios fartos e arredondados e, por cima apenas uma fina malha colada ao corpo; uma boca carnuda e olhos que mais pareciam duas jabuticabas; cabelos longos, negros e encaracolados. Pensou então que a companhia da moça não seria nada má neste dia chuvoso, mas lembrou-se então que só abandonou o sossego e segurança de seu rancho por estar com problemas.
- Sinto muito senhora mas, preciso achar um eletricista e um borracheiro com urgência.
- Pois então um dos problemas já está resolvido. Meu marido é borracheiro, já deve ter ouvido falar do Zé da Borracha?
Beto não fazia a mínima idéia de quem poderia ser mas, calou-se e apenas assentiu com a cabeça. Afinal precisa de um borracheiro.
- Muito prazer, meu nome é Rosicreide Lunarda mas, pode me chamar de Rosilu!
- Prazer, o meu é Beto e é assim mesmo que me chamam. Respondeu e sentiu a mão da moça, fina e delicada apertando a sua.
Neste momento entrou na Delegacia um senhor negro, enorme. Agarrou Rosilu e já foi levando como se os seus braços fossem guinchos. Enquanto ele dava um passo a moça ensaiava uma corridinha para acompanhá-lo.
- Vamos embora! Delegacia não é lugar pra mulher de respeito.
Enquanto ia sendo puxada Rosilu explicava o acontecido ao marido e ele ia diminuindo o passo. Voltou-se para Beto que, rezou uma Ave Maria, de olhos fechados, e ouviu o estrondo da voz do tal Zé.
- Poxa vida tio! Essa mulher é mesmo muito abusada. Onde já se viu colocar um senhor de respeito numa situação dessa? Veja mulher: o coitado está tremendo de frio. Vou levar o senhor até sua casa.
Quando Zé soube onde Beto morava, torceu o nariz olhou para o Beto, balançou a cabeça e disse:
- Hoje o senhor não vai para casa não. Caiu a ponte que liga o asfalto ao seu bairro, não passa nada por lá, nem cachorro nadando. Para que o senhor nos perdoe dormirá em nossa casa hoje. Amanhã de manhã se a ponte estiver arrumada eu o levo até lá e arrumo seu pneu.
- Acho que não tenho mesmo outra opção, vamos lá.
Chegando em casa Zé já deu um tapa nas costas do Beto quase desmontando o coitado e disse:
- Vou abrir uma cerveja para nós, Rosilu sabe fritar uns torresmos como ninguém, sequinhos e crocantes.
Pronto!
A palavra mágica.
T O R R E S M O.
Beto sentiu um fogo subindo dos dedos dos pés até lá no alto da cabeça ao imaginar aquela morena de avental amarrado na cintura e encostada no fogão fritando torresmos. Precisava arrumar um jeito de ver isso, esperaria a melhor oportunidade.

Não demorou muito e Zé espreguiçou-se na poltrona e avisou:
- Vou tomar um banho e volto logo. Pegou o jornal e foi para o banheiro.
Era agora ou nunca! Beto deu uma tossida e foi até a cozinha; já entrou pedindo um copo de água. Rosilu estava lá, do jeitinho que ele imaginou, uma deusa cozinheira. No armário um rádio tocava um samba e ela se chacoalhava toda enquanto mexia os torresmos. Um fio de baba escorria ao lado de sua boca aberta.
- Seu Beto, seu Beto! O que foi? Está sentindo algo? Está aí parado feito uma estátua. Venha! Sente-se aqui.
Ela pegou em suas mãos e o encaminhou até uma cadeira. Ao se sentar Beto passou os olhos pelo colo semidesnudo de Rosilu e babando novamente pensou:
- Hoje eu morro. – pensou.
- Sabe que meu marido é doido por torresmos?
- É! Eu também! E como!
- Que coincidência né?
- Sim. Magnífica coincidência.
Neste momento Zé volta do banho. Senta-se com Beto e logo Rosilu serve os torresmos com um arroz fresquinhos e feijão com um caldo bem grosso. Durante o almoço Beto conta tudo de ruim que lhe aconteceu desde cedo e comenta que pelo menos uma coisa boa se deu: ele conheceu aquele simpático casal.
Após o cafézinho Zé avisa que precisa voltar à borracharia e pede a Rosilu que mostre o quarto dos fundos da casa para que Beto descanse. O casal se despede com um beijo e um beliscão nas nádegas que Zé da em sua mulher.
- Venha Beto. Vou levar um lençol limpo e travesseiro para você descansar.
Beto seguiu aquelas nádegas dançantes até a lavanderia onde estava a porta de entrada. Rosilu entrou, ajeitou algumas tranqueiras que estavam sobre a cama e curvou-se para colocar o lençol. Ele seguia cada movimento da mulher e tremia de desejo pela visão do paraíso que às vezes ela deixava aparecer sob a saia. Ele aos poucos foi se chegando e tentando ajudá-la na arrumação. Com a excessiva proximidade de Beto Rosilu tropeçou e caiu de bruços sobre a cama, ele tentou segurá-la e perdeu também o equilíbrio caindo sobre ela.
- Nossa mãe! Que coisa enorme e dura é essa me cutucando aí?
- Desculpe. É minha lanterna, esqueci de tirar do bolso quando vim para a cidade.

02 janeiro 2006

A ODISSÉIA DE UM ERMITÃO - CAP I

(por Ronaldo Torres )

Beto sentou-se nervoso e irritado no estepe, vociferando impropérios contra tudo e contra todos. Decididamente o Universo conspirava contra ele. Nada dava certo naquela manhã fria e chuvosa. Só faltava, agora, cair um raio em sua cabeça, o que não descartava tal possibilidade ante o negror eletrizante do céu e o troar assustador dos trovões.

Ele era um eremita da periferia, uma espécie de Urtigão moderno. Apesar de usar ceroula de bolinhas, espingarda de soca-tempero e possuir um cachorro chamado Cão, possuía telefone convencional, carro na garagem e forno microondas. Ao contrário do herói em quadrinhos, faltava um Donald e um Peninha para atanazar o seu juízo e a Madame Mim com sua paixão feiticeira para completar o enredo.

Uma vez se apaixonou por uma fada divinal que cruzou o seu caminho, com varinha de condão e pó de pirlimpimpim que fez voar o seu coração além das nuvens.
Viveriam sete e meia semanas de amor se uma outra varinha, que não era de fazer mágica, não tivesse se intrometido no seu romance no exato instante em que a fadinha desnudou-se em entrega total para o seu amante, em um bailar sensual e provocante. O dia estava amanhecendo e um raio de luz desencadeou o princípio conspiratório do Universo naquela manhã:

– Um travesti! Você é um traveco! Ai meus sais!... – e desmaiou.

Voltou a si quando uma balde de água gelada foi jogado em seu rosto. Levou um tempo para tomar pé da situação, entender o sucedido, identificar o seu engano.
Onde foi que vacilou? E quem lhe jogou água gelada àquela hora da manhã? Não havia ninguém em casa. A chuva fazia barulho lá fora e então compreendeu o acontecido: havia uma goteira considerável sobre sua cabeça. Goteira não: cachoeira. Não fora um balde d’água, mas apenas a água da chuva pela falha do telhado, provavelmente causada pelos gatos da redondeza.

Pelo silêncio reinante, quebrado apenas pelo barulho da chuva, percebeu que o traveco havia se mandado pros quintos do Inferno. Ainda bem. Isso evitaria o vexame de olhar nos olhos de sua ex-amada e controlar sua aparente repugnância. Estremeceu ao lembrar-se que, por um triz, não caía de boca em um sessenta e nove. Teria sido sua perdição.

Levantou-se. Dirigiu-se ao banheiro para uma ducha reparadora. Ficou na dúvida se usava Criolina ou sabonete comum para tirar o perfume da maldita impregnado no seu corpo e que atingia a sua alma. Abriu a torneira. A água esguichou e parou. A caixa d’água estava vazia. Vestiu um pijama de bolinhas e foi até a casa da bomba. O disjuntor estava armado, havia energia, mas a bomba não funcionava. Será que queimou? Só podia ser isso. Encostou o nariz na carcaça do motor, aspirou fundo, e sentiu o cheiro de fio queimado. Entrou em casa,procurou um eletricista nas páginas amarelas, encontrou um que morava nas redondezas, pegou o telefone e... mudo. Droga! Deve ter caído alguma árvore sobre os cabos telefônicos. Todas as vezes que chovia, acontecia a mesmíssima coisa.

Anotou o endereço do eletricista, pegou a chave do carro e foi para garagem. De longe notou que um pneu traseiro estava vazio. Abriu a mala, pegou o macaco, chave de roda, levantou o pneu, retirou, jogou ao lado e, quando pegou o estepe, percebeu que o mesmo também estava vazio.

Depois de meia hora sentado no pneu, blasfemando e vociferando contra o mundo, decidiu caminhar um quilômetro até o ponto de ônibus mais próximo, para chamar o eletricista, debaixo de uma chuva que mais parecia um dilúvio. Como morava em uma região de baixa densidade demográfica, tão cedo a companhia telefônica não consertaria os cabos. Da última vez que isso aconteceu, levou semanas.
Aproveitaria a empreitada para chamar um borracheiro.

O ônibus chegou lotado. Parecia que todo mundo do bairro encontrava-se na mesma situação dele: com os pneus dos carros furados. Instalou-se perto do motorista e aproveitou a super-lotação para fazer terra numa boazuda que esfregava o traseiro em suas partes. Esfrega daqui, esfrega dali, começou a se animar, de repente, um grito:

– Fui assaltada! Roubaram minha carteira! Motorista, leve o ônibus pro Distrito! Foi este safado aqui!

– Eu?! – respondeu Beto, atônito e incrédulo – A senhora tá brincando...

– Foi você mesmo, seu safado!

Para sorte do Beto, que ia ser linchado dentro do ônibus, apareceu uma viatura da Polícia. O motorista fez sinal, encostou, puxou Beto pelo pescoço e entregou aos policiais. A senhora entrou na viatura enquanto Beto era jogado no camburão, na parte traseira do veículo. No Distrito Policial o chefe de serviço, um cearense dos olhos amarelos, treinado pela S.W.A.T., espremia o meliante para fazê-lo confessar, indiferente aos seus apelos de inocência e para o avançado de sua idade. Havia uma gang de velhinhos aterrorizando a região e aquele ali tinha cara de ser o chefe. Se não fosse, acabaria sendo. Tapas, bolos de palmatória, choque elétrico e, por último, pau-de-arara. Quando amarravam o suposto chefe da súcia anciã no travessão, o telefone celular da denunciante tocou. Era o seu marido, aflito, avisando que a mesma havia esquecido a carteira em casa.