08 janeiro 2006

A ODISSÉIA DE UM ERMITÃO - CAP III

DOM QUIXOTE DA PERIFERIA - capítulo 3
(por Ly Sabas)

— Dona Rosilu?! Ô de casa!

Beto que já havia jogado a lanterna longe com a mão direita e com a esquerda apertava as ancas da morena, pulou da cama assustado com a voz masculina. Rosicreide, toda descomposta, tratou de responder ao chamado enquanto alisava as roupas e os cabelos.

— O que aconteceu, seo Toninho? Espere um pouco, já vou.

Rosicreide lançando um olhar dengoso para Beto foi saindo com seu andar gingado. Beto sem saber quem era o tal de seo Toninho e com receio de sair do quarto, ficou observando pela fresta da janela a morena flutuar pelo quintal num “aqui tá raso aqui tá fundo” capaz de fazer qualquer santo perder a auréola.

O dono da voz era um cara barbudo, meio gordinho, com cara de quem ajuda esposas incautas à costurar para fora. De onde estava Beto não conseguia ouvir nada, mas pelos olhares e trejeitos dos corpos pensou:

— Aí tem coisa. – e agora mais animado – se costura com esse... Péra aí, o barbudo tá entrando. Pô assim não pode, assim não dá!

Quando atravessaram a lavanderia ouviu a voz melosa de Rosilu ao mesmo tempo em que notava o olhar dela em sua direção enviando uma mensagem de fique quieto aí.

— Sobraram uns torresmos do almoço. Venha tomar uma cerveja enquanto espera.

Ora, desde quando um legítimo Urtigão da Silva deixa passivamente um intruso invadir sua área? Assim que desapareceram na cozinha, Beto saiu do quarto e andou até o basculante com passinhos de caçador à espreita. Apesar de não ser baixinho teve que subir em um caixote para alcançar o vitrô. Seu campo de visão era pequeno, prejudicado pela geladeira com seu pingüim gorducho, mas lá estavam os dois em posturas pra lá de suspeitas.

— Olha Toninho, você sabe que não pode vir aqui a essa hora. Que vale que o Zé saiu logo depois do almoço.

Enquanto falava Rosilu abria uma latinha de cerveja e servia o copo.

— Sei Rosi, mas aconteceu o que já temíamos. – e dando inflexão - Ela disse que não vai mais esperar.

— Ela não pode fazer isso! - disse arriando em uma cadeira. – E nós, o que faremos agora?

— Já dei tratos à bola, mas não consigo pensar em nada.

— Logo você, o dono de mil idéias? Precisamos ganhar tempo.

O tom malicioso de Rosicreide desapareceu dando lugar a uma inquietação que deixou Beto, cavalheiro do tipo que ainda manda flores - se isso fosse possível na lonjura aonde se escondia - doidinho para ajudar.

Já se imaginava dizendo:

— Não se preocupe com nada, minha bela morena. Eu a defenderei de qualquer safado que ousar aproximar-se. Vou escondê-la em minha propriedade rural à beira de um regato e de um bosque em flor. Possuo um bacamarte carregado de balas de sal e quilos de barriga de porco. De dia eu fico de botuca e de noite mergulhamos em um mar de torresmos e luxúria!

Em seu delírio quixotesco perdeu algumas falas, que por sinal agora eram sussurradas, e quando se deu conta o tal barbudo dizia:

— Onde ele está?

— Lá no quartinho dos fundos.

— Vamos falar com ele. Quem sabe topa.

Já despido de sua armadura de cavalheiro da periferia, Beto pulou do caixote e, dando meia volta, ensaiou sair correndo pelo quintal em direção não sabia de onde, quando viu que uma caminhonete vinha se arrastando em direção à casa.

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