12 março 2006




A Saga de Catende

Capitulo Um - Novo mundo


Acostumada a ser mimada pelos pais na cidade grande do Rio de Janeiro, a menina de nove anos ainda incompletos, chegou assustada a Catende, no interior pernambucano, levada pelo avô, Seu Cordeiro, um homem alto e amável, de olhos verdes.

A casa do gerente da Usina era grande e ladeada por um jardim. Nela se abrigavam, fugidos das tempestades econômicas da vida, várias filhas com seus maridos e netos, além de tias solteironas e agregados. O lugar ideal para a garotinha cujo pai tivera que fugir dos credores, indo para São Paulo e emprestando os filhos numa diáspora cruel. Seu nome era murmurado em críticas veladas, mas não o suficiente para que não percebesse o veneno.

Pior foi conhecer a temível Don’Ana, que nunca aceitou ser chamada de avó. Para todos foi sempre Dindinha, mesmo quando nenhum batizado autorizasse este tratamento. Era uma mulher baixa mas forte, de olhos puxados e estreitos, muito azuis, com uma inteligência penetrante. As maçãs salientes, denunciando a ascendência holandesa, e a boca firme completavam o retrato desta mulher que governava a família e a casa com mão de ferro.

Dindinha não desperdiçava beijos nem afagos, era seca e cortante. Mas seu coração generoso permitiu que sempre houvesse mais um comendo e vivendo às expensas do marido. Brilhante, embora sem estudo, criou um método matemático para ganhar no jogo do bicho e não perdia nunca. Fazia também cruzamento de flores - cravos e cravinas - no jardim que era sua paixão. Usando salitre do Chile e métodos diversos, conseguia espécies diferentes, de pétalas lisas ou ásperas, de vários formatos .

Na falta de acomodações disponíveis, a menina foi designada para o quarto das rezas, onde ficava o oratório, lugar sempre presente nas casas nordestinas do interior. Ainda assustada, sem entender bem o que lhe acontecia, colocou numa cadeira a pequena mala com tudo que ainda tinha de seu no mundo e se preparou para descansar da desgastante jornada de trem pelo interior castigado e quente.

Uma cama de vento fora arrumada de improviso naquele lugar de oração e apesar dos seus desgostos e da estranheza do aposento, a infância venceu o medo e ela dormiu.

Acordou assustada com um apito estridente – era o anúncio da escuridão. Logo depois, a luz do gerador que iluminava a cidade foi cortada e um cheiro acre e desagradável veio da direção da Usina - nunca identificou porque, mas aquele cheiro desagradável foi o acompanhamento constante do apito e do corte da luz por todo tempo em que permaneceu na casa dos avós. Mais de dois anos.

E o pior veio depois. Apavorada com o súbito negrume, ergueu os olhos para o alto – a única coisa brilhante eram as pupilas de vidro dos enormes santos que olhavam todos para ela com malévola fixidez.

Passou o resto da noite acordada, vigiando seus companheiros de quarto. De manhã, mal os primeiro galos cantaram a alvorada, ouviu barulho no jardim. Levantou-se curiosa e caminhou em direção a ele. Ficou atônita com o que viu, mais apavorada do que nunca.

A menina criada no melhor colégio do Rio, de freiras alemãs e moralistas, viu a avó, a imponente Don’Ana, arrebanhar a saia rodada de sua bata comprida e, de pernas abertas, urinar, regando os canteiros de seu jardim predileto : chuaaaaaaa!!!!!!

Foi uma das primeiras e mais marcantes imagens de sua longa estadia no Paraíso e no Inferno particular em que se tornaria aquele casarão no distante sertão de Catende.

5 comentários:

Anônimo disse...

A Saga de Catende

Maria Helena Bandeira

Levados pelas mãos de Maria Helena Bandeira, chegaremos à Catende, no sertão pernambucano, juntos com Helena Augusta, uma menina de nove anos, criada em colégio de freiras no Rio de Janeiro.
Lá conheceremos Dindinha, a terrível Don’Ana, mulher forte de coração generoso, que se tornará a verdadeira alma desta saga deliciosa, recheada de descobertas e experimentos que durante quase três anos assustaram e maravilharam nossa pequena heroína.

Ly Sabas
(de sua apresentação no Sítio Tom & Amigos, em junho 2005.)

***

Amigos,

é uma grande alegria vivenciar pela leiutra esta série, emocionante, sensorial, num ambiente brasileiro, com ressonâncias na alma humana universal...

Bom passeio !
Clarice Villac

Anônimo disse...

É bom reler a saga dessa família guerreira.
beijos,
Tom

Anônimo disse...

Já estou esperando o próximo capítulo.
A narrativa tem um sabor da minha infância, dos meus temores e inseguranças onde tudo o que acontencia independia de minha vontade. Achei muito bem escrito. Lindo!!
Beijo,
Nédier

Anônimo disse...

Where did you find it? Interesting read 1100 free nokia ring tone tracfone compare business insurance quotes Pue cool water filters dental ins sc Blue volkswagen beetle bug 1999 gmc safari window problems

Anônimo disse...

sai de catende em 1982,tenho muita saudade deste lugar um dia eu volto para ver minha terra natal.gostaria de ver fotos da cidade se alguem tiver enviar para:juniorjrhot@hotmail.com,um forte abraço a todos os catendenses